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Maria América U. D. Reis

Como ingressei no Sistema ONU

Atualizado: 24 de jul.

Série Nossa História nas Nações Unidas

Maio / 2024


Minha entrada no UNICEF foi muito particular. Eu havia chegado do exterior, depois de viver no exílio durante 10 anos, entre Chile, Argentina e Alemanha, com quatro anos e meio em Paris. Em Berlim, estudei alemão e "O Capital". Era aluna da Freie Universität Berlin. Na França, estudei na época de ouro (1975-1979), quando vigorava uma democracia estimulante, com muitos intelectuais ministrando aulas no Collège de France. Assisti a uma aula com Michel Foucault (um delírio) e Bourdieu e tive um professor com o qual aprendi sobre o que estava acontecendo na União Soviética. Foi a primeira vez que ouvi um profissional falar de um contexto histórico, incluindo cinema, literatura e história. Foi também quando aprendi que Stalin tinha assassinado tantas pessoas quanto Hitler. A China de Mao Tse Tung também não foi uma democracia. A revolução cultural foi um processo de extermínio da oposição. Todos em nome da ditadura do proletariado, só que o proletariado nunca chegou ao poder. Todavia, eram tempos do leninismo, trotskismo, maoísmo, feminismo etc. Eu tinha muita energia e era bem feliz!



Quando cheguei no Rio de Janeiro (em dezembro de 1979), tinha uma filha para sustentar e eu era excelente datilógrafa. Fiquei sabendo que o UNICEF estava contratando uma secretária. Uma amiga que tinha doutorado não quis aceitar. Eu aceitei (pagavam bem) e, quando fui para a entrevista, a minha futura coordenadora e depois minha comadre, disse-me que eu podia falar em francês porque o meu entrevistador falava francês. Era um coreano refugiado da Coreia do Norte. Shob Jie me perguntou por que eu, com o CV que eu tinha de Paris I e Paris V, estava me candidatando para secretária. Eu disse: "Preciso ganhar a vida, tenho uma filha para sustentar." Então, surpresa: minha orientadora Mme. Isambert tinha sido orientadora de Shob Jie em Paris e ele também tinha feito um doutorado trabalhando como professor de judô para ganhar a vida. Fiquei como secretária até dezembro de 1980 e depois passei a ter um contrato como consultora durante três anos e, em 1983, concorri para o cargo de Oficial de Projetos. Era a coordenadora do projeto de educação nas favelas no Rio de Janeiro. Trabalhei na Baixada Fluminense no projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos. Ganhamos o prêmio da UNESCO. Participei das discussões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (1989-1990) e das discussões sobre o Sistema de Garantia de Direitos.


Depois fui para Salvador, na Bahia, abrir o escritório do UNICEF. Foi o trabalho que me trouxe maior satisfação, pelo volume e significado. Mais tarde, fui convidada para ser a representante do UNICEF em Cabo Verde, na África Ocidental, e trabalhei no Senegal (Dakar) e na Costa do Marfim (Abidjan). Tive a oportunidade de conhecer muitos países da África ocidental e austral. Tudo muito destruído.


Estou agora com 80 anos. Aposentei-me, compulsoriamente, em 2004. Fui para São Paulo trabalhar com a Associação de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude. Aprendi um pouco sobre como funciona o Sistema de Justiça. Fiz grandes amigos e amigas magistrados e magistradas, promotores e promotoras. Em 2013, voltei para o RJ porque Elisa, que nasceu em Berlim em 1974, teve gêmeos e, no princípio, não foi nada fácil, foi um outro aprendizado. Mais recentemente (2018), convidaram-me para concorrer ao cargo de Conselheira de Direito do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA-Rio durante dois mandatos. Foi uma experiência muito inovadora. Como aposentada, pude participar de todos os espaços do CMDCA-Rio e entender sobre o funcionamento da estrutura municipal. Fiz um mandato bem relevante com várias contribuições significativas.


Sou presidente do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - CEDECA-RJ e bem atuante. Tenho feito a apresentação do Estatuto da Criança e do Adolescente há três anos, pois o CEDECA-RJ sempre faz a atualização. Tenho 45 anos de militância em favor da infância e da adolescência, principalmente, na área do enfrentamento à violência sexual, nos últimos 30 anos. Participo de 10 espaços de militância de forma diferenciada: Anistia Rio, “Peitamos” (grupo feminista que teve origem em Paris na década de 1970), Associação dos Antigos Funcionários das Nações Unidas (dos aposentados), Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil no âmbito nacional e estadual e sou do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (fundado no UNICEF quando eu era funcionária). Sou bem ativa e sempre fui super agitada. Antes não conseguia sentar, agora estou melhorando, menos agitada e sentando. Claro que não por muito tempo!



Aprendi a ler com 11 anos de idade e fui expulsa de duas escolas na minha cidade no interior do Rio Grande do Sul. Nem lhes conto por que fui expulsa... Hoje estaria cumprindo MSE em Meio Aberto. KKK. Sou gaúcha, Ana Terra, com muito orgulho e Brizolista de coração e alma! Sou Yansã de frente e Exu de costas. Sou brava que é uma barbaridade! Mas agora estou brigando menos...


Quero ser uma velhinha bem-comportada, mas está difícil com este mundo que tem se apresentado, como disse Joseph Brodsky, prêmio Nobel da Literatura, em 1987, como paraninfo da Universidade de Michigan: "O mundo que vocês haverão de adentrar, e em que passarão a existir, não tem boa reputação. [...] ele continua a ser muito mais atraente visualmente, do que do ponto de vista social, econômico e cultural [...]". E de lá pra cá, tem piorado e muito, nessas nossas terras e também no mundo, não é?


Sou mãe de Elisa, minha princesa, e vovó de Alice, João e Laura, minhas netas e meu neto preferido. Muito amadas e muito amado. A elas e a ele dedico minha militância em favor dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

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